domingo, 7 de dezembro de 2008

Tudo começa e termina na [pós-] ignorância

A Pós-Ignorância é um conceito que nasce, faz parte e critica a Pós-Modernidade. Trata-se de uma reação natural das pessoas em geral à quantidade de informação vomitada sobre todo mundo e à pressão que existe para elas tenham uma opinião sobre todas as informações.

A Era da Informação disponibiliza e soterra cada indivíduo com tantos dados que se torna impossível captar e muito menos analisar tudo. Em uma edição de domingo do New York Times há mais informação do que teria acesso uma pessoa do século XVI em toda a sua vida.

Assim que, como seria possível uma pessoa conseguir digerir todo esse conhecimento em tão pouco tempo. Ainda mais se for levado em consideração que esse mesmo conhecimento muda – cresce ou retrai ou se divide ou se multiplica – de forma a se tornar mais conhecimento a cada instante.

Desde criança sempre gostei muito de comer ovos mexidos de café da manhã. Por anos minha mãe me proibiu de comer mais de dois ovos por semana por que fazia mal à saúde. Quando já era adolescente, saiu no jornal que tudo era um engano: algum estudo [provavelmente inglês, porque os ingleses adoram fazer os estudos mais esdrúxulos possíveis] dizia que não havia provas conclusivas de que comer mais de dois ovos por semana prejudicava a saúde. Isso, só para aparecer outro estudo [provavelmente americano, porque os americanos sempre fazem estudos que indicam que você precisa comprar algum produto ou serviço para ser mais e melhor na vida] contradizia o primeiro e afirmava categoricamente que não se devia comer mais de dois ovos por semana senão morreria depois de três meses.

Fato é que, até hoje, não há dois estudos seguidos que concluam a mesma coisa a respeito do assunto, mas todos sempre trazem um dado a mais para a questão do consumo semanal de ovos per capita.

Então, se uma pessoa resolve saber sobre o que passa à sua volta, são várias “questões do ovo” por segundo que aparecem – todas crescendo e criando mais uma questão a ser discutida e analisada.

Para que alguém consiga capturar todo esse conhecimento produzido e despejado no nosso colo a cada segundo pelos meios de comunicação essa pessoa teria que tirar a vida para fazer isso. E ainda faltaria tempo.

Mas, além disso, todos precisam possuir uma opinião sobre cada informação que conseguiu pescar. Você é a favor ou contra, concorda ou discorda, entendeu ou não entendeu, assumiu na sua vida ou deixou de lado?

A mesma Era da Informação que produz e lhe entrega essa quantidade massiva de conhecimento exige que você tenha um pensamento crítico sobre esse conhecimento – e produza mais conhecimento com isso.

Encontrar uma pessoa hoje que não esteja interada sobre a última manchete bombástica dos jornais e, pior, não tenha um juízo a respeito é muito difícil. Essa pessoa é tida como desligada, fora do mundo e sem assunto – portanto um pária.

E não estou falando de comentar os atentados terroristas na Índia ou da crise econômica mundial; estou falando de qualquer coisa que seja o assunto do momento, seja a cotação do dólar ou o fim do RBD.

Como seria possível para um indivíduo comum ter tempo para captar todas as informações e ainda analisar para ter suas próprias conclusões? Não é possível.

Assim que surge a Pós-Ignorância. O indivíduo capta conceitos rasos sobre todos os assuntos, desenvolve uma opinião simples, mas firme, sobre tudo e, dessa forma, não é excluído da sociedade da informação.

Seria como comprar um jornal e ler somente as manchetes e os subtítulos e, a partir disso, ter uma opinião formada sobre cada matéria do dia. Ou como assistir a um trailer de um filme e conversar sobre o mesmo citando partes e falando que o ator principal mandou muito bem. É ler o primeiro capítulo de um livro e as últimas páginas e reclamar que a história é chata e não faz o menor sentido.

Mas será que estas pessoas estão realmente criando uma opinião? Será que há algum conteúdo nessas informações criadas pelos pós-ignorantes?

A resposta é não. Não há informação simplesmente porque nada foi analisado, nada foi apreciado, digerido, inferido ou execrado por que não havia fundamento para fazê-lo. Como fazer queijo sem ter leite? Não se faz. E é isso que as pessoas têm feito, dado opiniões – em última análise, criado dados – vazias, ocas.

O mais incrível é que esse tipo de comportamento não se restringe a pessoas nas ruas, em conversas de bar, pessoas ou como eu ou você. Esse comportamento é reproduzido pelas pessoas responsáveis por fazer com que as informações cheguem e alcancem a todos.

Não se trata de uma crítica direta aos jornalistas, mas aos meios de comunicação, sejam eles alimentados por jornalistas ou qualquer outra classe de trabalhadores. São artigos, sites e livros que se propõem a falar de um determinado assunto, mas que resvalam superficialmente no tópico sem apresentar o assunto por completo, com conclusões e dados que corroborem o que está sendo dito.

Quantas vezes você acabou de ler um jornal e ficou com a impressão de que precisava ler mais, de que não captou toda a informação que devia sobre o assunto? Acabou de assistir a um programa de duas horas sobre a unha do pé esquerdo do orangotango da Papua-Nova Guiné e não sabe direito o que foi que dito? Assistiu ao telejornal e terminou com uma cara de interrogação maior do que se não tivesse assistido?

Isso ocorre não porque estes profissionais sejam charlatães ou queiram enganar o grande público. Até acredito que isso ocorra em alguns casos, mas não em todos. Creio que o que acontece com eles é o mesmo que acontece comigo ou com você: é muita informação, pouco tempo para absorver e menos tempo ainda pra analisar.

Para qualquer assunto que um indivíduo resolve discorrer, deverá haver milhares de referências que corroboram ou discordam, vários dados que devem ser apontados para sustentar a conclusão e infinitos formatos para entregar essa informação para as pessoas.

Na medida inversa, há muito pouco tempo para realizar essa pesquisa, menos tempo ainda para ter um pensamento crítico a respeito, tempo algum para escrever o artigo e absolutamente nenhum espaço para divulgar tudo o que precisaria conter o artigo para ter a informação o mais completa possível – ou seja, ele será editado por alguém que não fez a pesquisa e não desenvolveu o pensamento crítico para caber no espaço que há, com o menor número de palavras possível.

Sendo assim, há de se concluir que a Pós-Ignorância é criada dentro da Era da Informação – um aspecto da Pós-Modernidade –, por ela sustentada e retro-alimentada em um processo paradoxal ao que é o próprio conceito-cerne da Era da Informação. A Pós-Ignorância apóia e é apoiada pela sociedade da informação ao mesmo tempo que critica e esvazia a mesma.

Não sei

Acho que tudo o que se escreve dando uma opinião, criticando, afirmando ou duvidando deveria começar assim: “não sei”.

Sim, é um grande clichê e, sem dúvida, um plágio das idéias de Sócrates [não, não pretendo ficar citando grandes nomes para falarem por mim o que eu quero dizer].

Só acho que realmente não sei muito do que falo, apenas tenho essa necessidade e desejo de falar sobre certos assuntos que as conversas diárias não alcançam ou simplesmente não contém e tudo o que transborda deve – ou deveria – parar por aqui.

Por isso, se alguém ler isso e se sentir ofendido pela minha opinião, pela minha falta de opinião ou por alguma coisa errada que eu venha a dizer, foi mal. Mas eu realmente não sei.

Então, considere que todos os textos posteriores a este que aparecerem neste blog sempre começam – e terminam – com um grande e importante “não sei”.